quarta-feira, 14 de abril de 2010

Sobre Memória, Ambiente e Estado

por Clayton Leme

“É no sistema ambiente que
encontramos todo o necessário
para trocas entre sistemas,
desde energia até cultura,conhecimento,
afetividade, tolerância, etc...”
Vieira, 2006.




Uma noite tipicamente de outono, onde a pele fica mais sensível aos sopros dos ventos, aos balanços das árvores e das torres de energia que buscam a firmeza e a concretude da sanidade, tempo em que os corpos iniciam sua busca do calor que aconchega, muitas vezes, encontrado na proximidade do/com o outro. Foi mais ou menos assim que me percebi na noite do dia 10 de Abril de 2010, data em que meus sentidos subiram às pontas dos pés para tentar enxergar um tempo/espaço deslocado de mim.
A vivência produzida pelo Coletivo Cê, aqui prefiro me referir como um espaço de vivência, compartilhamento e não a um espetáculo. Não por desmerecer a obra artística, mas para explicitar algo que transcende a relação espetacular, trata-se praticamente de uma viagem no tempo, de uma máquina orgânica de atualizações de memórias, espaço de revisitação de tramas e tecidos que vão sendo reconstituídos passo a passo, onde me sinto privilegiado de me perceber contemplado.
O texto/cheiro que se organiza na boca do estômago nos leva à estados de oscilação entre quem somos, o que fomos e o que seremos, construindo relações de verticalização da percepção de corpo/memória no tempo/espaço. Nos remete à uma inércia produtiva, ambiente preciso, na medida certa de quereres de permanência no estado de embriaguês da vida.
Beber a vida não é tarefa fácil e muito menos perceptível ao longo de nossa caminhada pela maioria da população, privilegiando uma minoria que chega a se dar o luxo de perceber o sopro e as lambidas do vento na pele. Os estados corporais propostos nesse trabalho são propostos como ambiências que se alternam na tarefa de conduzir os sentidos a reorganização e estabelecimento de um novo equilíbrio, na relação dentro/fora/dentro/fora...
“...ô minino!!!...” jargão que permeia e dança na boca de todos os intérpretes nos leva a compreender que é possível a reinvenção da palavra como corpo pronunciado e expandido no espaço. Os intérpretes são referenciais de si mesmos e não de uma personagem que busca interpretar uma idéia, mas de alguém que constrói e apresenta uma ou mais possibilidades de ação/pensamento de/no mundo.
Os estados corporais, objeto de pesquisa e possível caminho de chegada ao objetivo do coletivo, se apresentam com fortes indicações de maturidade na lida da pesquisa que se dá no modo como a pele está presente na ação. Articula a diversidade individual e a individualidade da diversidade, tarefa desafiadora de construção de complexidade.
A memória se articula com a lógica de funcionamento das sinapses no cérebro, o que me faz recordar ainda a imagem de Michelangelo, proposta como provocação, no encontro de Deus com o homem, os dedos delicadamente quase chegam a se tocar, e, nesse quase toque é que os convidados da noite, embalados pelo sopro do vento são levados à conexão sináptica com a obra, como se um delicado e sutil fio de energia os mantivessem conectados, formando uma grande teia de informações e de trocas constantes.
Os sons, cheiros, imagens, toques e sabores do ambiente nos convidam à atualizações de nossos modos de agir e de se perceber no mundo, construindo outras lógicas das relações humanas. Isso demonstra a maturidade com que o grupo vem construindo um conceito particular e de certa forma universal sobre o que é ser um coletivo, algo que se dá no exercício diário, alternando e fortalecendo os pontos que devem ser energizados, respeitando e compreendendo que para ser um coletivo é necessário o ser indivíduo que é diverso e que contempla uma parte do diverso universo do todo. Que bebamos a vida!!


Votorantim, 10 de Abril de 2010.