terça-feira, 15 de outubro de 2013

Das putas, das loucas, dos lazarentos

Só quem carrega na alma as feridas de ser é que pode falar bem do existir.
A vida é bonita mas violenta. Enxurrada. A vida não deixa de ser bonita nos olhos de quem por vezes se afoga nessa enxurrada. Mas certamente fica um pouco mais real.
Os loucos, bêbados, as putas e putos, os lazarentos...a 'escória' povoa os nossos caminhos, encosta-se nos cantos, suja a paisagem. Mas tem um fôlego de vida diferente, fala abertamente, não tem o que temer. Porque já provou da água da enxurrada e mesmo assim voltou á superfície pra tomar novo golpe de ar. Ou ainda está afogando.
'Gente se acha muito importante...' acha até que pode salvar essas 'pobres almas'. O que GENTE não sabe é que talvez essas almas não precisem de salvação. Que talvez tenham encontrado um caminho delas e que não diz respeito a essa gente. Porque GENTE não acha que essas almas são gente.
Deve haver um grito, isso sim, parado no ar, ou antes, parado na garganta da escória. Não de socorro. Não um pedido de ajuda. Um grito de libertação talvez.
Mas GENTE não tem tempo pra ouvir esse grito. Ou não tem ouvido, sei lá.
Eu não sei vocês mas eu gostaria de fazer um pouco de silêncio aqui dentro do coração pra poder escutar.
Porque tem hora que tem um barulho tão grande dentro da gente que a gente passa ileso pela escória. Ou acha que suja a paisagem. E eu queria poder silenciar isso e ouvir.
É um exercício. Mas digo humildemente que acho que já ouvi umas vezes. E é um grito preciso. Verdadeiro. É um grito rasgado e doído. Mas é forte, poderoso, é grito e por isso não tem como ser de outro jeito.
A escória berra, de diversas maneiras. Mas berra que somos iguais, feitos da mesma matéria. E que a gente se mistura um pouco na escória também. É a chaga desse país do FUTURO. Somos.

'Eu sou a própria chaga!'






Por Fernanda Brito

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O Instante - Deságue

“[...] estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro [...]

Clarice Lispector – Água Viva

É tão difícil falar ou escrever coisas que não podem ser ditas, quando até para si próprio sua vida e o mundo que o circunda é um vasto mistério.  Já são 9 meses de instantes vividos entre pessoas e lugares com a família Cê, e só nos instantes do dia 29 vivenciei, tendo consciência, com os 5 sentidos, ou alguns outros que desconheço, uma parte da dimensão homérica em que estou envolvido.  Segundo Clarice, nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante. Acredito piamente em cada palavra escrita por essa mulher, pois foram exatamente 24 anos, 119 dias e 19 horas de instantes para que realmente pudesse apossar-me do primeiro É da minha vida. Outro trecho escrito em seu livro que descreve exatamente como tem sido essa sensação pra mim é: “estou entrando sorrateiramente em contanto com uma realidade nova pra mim que ainda não tem pensamentos correspondentes e muito menos ainda palavras que a signifique: é uma sensação atrás do pensamento”. Os instantes que passo a VER, CHEIRAR, FALAR, OUVIR OU SABOREAR, absolutamente fazem parte deste mundo em que sempre vivi, entretanto nunca o respirei. Estou em contato com o âmago do meu eu interno buscando estradas que trafeguem e me levem em direções, repetidas ou não, para que assim possa respira-las! Tenho medo, coragem, segurança, insegurança, dúvida, certeza, ansiedade, calma, silêncio, luz, escuridão... TENHO, TENHO E TENHO diante do meu corpo interno/externo um profundo descampado mundo, onde, como um recém-nascido, começo a dar as primeiras inspiradas e expiradas com o meu pulmão após o rompimento do cordão umbilical que me liga completamente a minha mãe!

“Que a minha vida sempre deságue em águas outras, dando-me a oportunidade de encontrar e reencontrar sempre com os meus és das coisas”.

Obrigado Famíla CÊ por ter me dado luz e estar comigo nesses primeiros instante-passos da minha vida!


Sempre grato, Lelis, Lelinho, Lelus, Lelão... Andrade.