quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Corações generosos rogai pelas almas esquecidas e abandonadas.

Araçoiaba- verão 2014

"Sou um apanhador de desperdícios
Amo os restos
como as boas moscas"

Tenho em mim um atraso de nascença , gosto imensamente de me desperdiçar em abandonos.
Não me interessam espelhos e prédios.
Prefiro a simplicidade e os silêncios . Prefiro os deveres dos amadores. Rogo pela simplicidade do Bispo do Rosário. Por isso me permiti catalogar com os olhos aquilo que gostaria de enviar para Jesus. Eu soube que Ele, como eu, preferia o simples e abandonado.
Olhei Dona Anitta Schikeira, sua morada eterna enfeitada de duas rosas que foram vermelhas.
Vi que a cidade existe menos na paz dos cemitérios.
Vi uma casa de azulejo azul com mato verde vistoso balançando de leve, a vida resistindo o silêncio.
Uma roseira nasceu na casa do seu Ângelo e do seu Chico. E nas pétalas moram seus beijos de saudades. Eu vi.
Vi uma casa endurecida pelo abandono de cruz fincada no chão. Sisuda. Dona Anildina.
Dona Esther gostava de caju, sei disso porque ela me deixou ver um pézinho plantado num vaso, bem em cima da sua morada.
Conheci Dona Lúcia, habitante dos próprios abandonos, soterrada de abandonos alheios e apaixonada por eles desde moça. Sua casa passageira, vizinha das moradas eternas, grita vermelha em meio ao silêncio. Mas por dentro o mesmo silêncio mora nos seus pedaços.
Seu sonho, como o meu, é ser dona de abandonos. E não mexer. Deixar que eles existam e existir devagar com eles.
Isso foi o que eu vi. E peço desculpa pelo que eu deixei escapar.
E rogo a graça de um dia poder me abandonar, como o mato que cresce por entre os vãos do chão. E respirar livre o ar da existência plena.

Por Fernanda Brito