terça-feira, 5 de novembro de 2013

Distância


por Fernanda Brito

É a medida de separação de dois pontos. Mais ou menos assim que se define, mas criamos mais um monte de distâncias subjetivas pra aplacar um bando de faltas que cometemos. Olhar no olho do outro e não estar de verdade, pleno nesse olhar é distância. E por isso quando o contrário acontece a gente se enche de um certo bálsamo interior, de cura, de alma.
Olhar nos olhos. Ouvidos atentos de verdade. A vida é frenesi, e que nós não a desperdicemos com coisas que não nos preenchem, que não nos coloquem plenos no agora.
É com muita gratidão que eu presenciei a coisa mais bonita que já vi. Gratidão por ter olhos pra ver.
A gente inventou tempo, distância, inventou superioridade, e ontem eu vi tudo isso dissipar. Vi simplicidade, vi generosidade.
Que bom ter olhos pra ver. Que bom!
A gente inventou saudade também. Ou nomeou isso que preenche o peito de uma fome diferente.
A gente inventou a admiração pra nomear isso que explode na gente e enche de um calor bonito.
A experiência ultrapassa as palavras, elas me faltam agora.
Ou é só porque não inventei um nome pra o que eu estou sentindo agora.
A distância física é difícil de combater. Mas a sensação de que somos todos iguais em dignidade, é maravilhosa e só me cabe agradecer pela lição aprendida.
Iguais em dignidade!

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Das putas, das loucas, dos lazarentos

Só quem carrega na alma as feridas de ser é que pode falar bem do existir.
A vida é bonita mas violenta. Enxurrada. A vida não deixa de ser bonita nos olhos de quem por vezes se afoga nessa enxurrada. Mas certamente fica um pouco mais real.
Os loucos, bêbados, as putas e putos, os lazarentos...a 'escória' povoa os nossos caminhos, encosta-se nos cantos, suja a paisagem. Mas tem um fôlego de vida diferente, fala abertamente, não tem o que temer. Porque já provou da água da enxurrada e mesmo assim voltou á superfície pra tomar novo golpe de ar. Ou ainda está afogando.
'Gente se acha muito importante...' acha até que pode salvar essas 'pobres almas'. O que GENTE não sabe é que talvez essas almas não precisem de salvação. Que talvez tenham encontrado um caminho delas e que não diz respeito a essa gente. Porque GENTE não acha que essas almas são gente.
Deve haver um grito, isso sim, parado no ar, ou antes, parado na garganta da escória. Não de socorro. Não um pedido de ajuda. Um grito de libertação talvez.
Mas GENTE não tem tempo pra ouvir esse grito. Ou não tem ouvido, sei lá.
Eu não sei vocês mas eu gostaria de fazer um pouco de silêncio aqui dentro do coração pra poder escutar.
Porque tem hora que tem um barulho tão grande dentro da gente que a gente passa ileso pela escória. Ou acha que suja a paisagem. E eu queria poder silenciar isso e ouvir.
É um exercício. Mas digo humildemente que acho que já ouvi umas vezes. E é um grito preciso. Verdadeiro. É um grito rasgado e doído. Mas é forte, poderoso, é grito e por isso não tem como ser de outro jeito.
A escória berra, de diversas maneiras. Mas berra que somos iguais, feitos da mesma matéria. E que a gente se mistura um pouco na escória também. É a chaga desse país do FUTURO. Somos.

'Eu sou a própria chaga!'






Por Fernanda Brito

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O Instante - Deságue

“[...] estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro [...]

Clarice Lispector – Água Viva

É tão difícil falar ou escrever coisas que não podem ser ditas, quando até para si próprio sua vida e o mundo que o circunda é um vasto mistério.  Já são 9 meses de instantes vividos entre pessoas e lugares com a família Cê, e só nos instantes do dia 29 vivenciei, tendo consciência, com os 5 sentidos, ou alguns outros que desconheço, uma parte da dimensão homérica em que estou envolvido.  Segundo Clarice, nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante. Acredito piamente em cada palavra escrita por essa mulher, pois foram exatamente 24 anos, 119 dias e 19 horas de instantes para que realmente pudesse apossar-me do primeiro É da minha vida. Outro trecho escrito em seu livro que descreve exatamente como tem sido essa sensação pra mim é: “estou entrando sorrateiramente em contanto com uma realidade nova pra mim que ainda não tem pensamentos correspondentes e muito menos ainda palavras que a signifique: é uma sensação atrás do pensamento”. Os instantes que passo a VER, CHEIRAR, FALAR, OUVIR OU SABOREAR, absolutamente fazem parte deste mundo em que sempre vivi, entretanto nunca o respirei. Estou em contato com o âmago do meu eu interno buscando estradas que trafeguem e me levem em direções, repetidas ou não, para que assim possa respira-las! Tenho medo, coragem, segurança, insegurança, dúvida, certeza, ansiedade, calma, silêncio, luz, escuridão... TENHO, TENHO E TENHO diante do meu corpo interno/externo um profundo descampado mundo, onde, como um recém-nascido, começo a dar as primeiras inspiradas e expiradas com o meu pulmão após o rompimento do cordão umbilical que me liga completamente a minha mãe!

“Que a minha vida sempre deságue em águas outras, dando-me a oportunidade de encontrar e reencontrar sempre com os meus és das coisas”.

Obrigado Famíla CÊ por ter me dado luz e estar comigo nesses primeiros instante-passos da minha vida!


Sempre grato, Lelis, Lelinho, Lelus, Lelão... Andrade.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

"Quando a cena maior parece terminada, há o que vem depois..."

Comecei esse ano em uma das praias mais bonitas que já conheci. Era, praticamente, só água e areia. Foi preciso andar alguns metros pela água para conseguir estar com o corpo todo dentro. Depois da longa caminhada para chegar, fiquei lá por algumas horas, num esticar do tempo. Leveza e calmaria no coração. Submersa: essa é uma das metáforas mais importantes da minha vida. Um dia escrevi e essa frase permanece viva no meu ser: "alguém não acostumada a viver na superfície". Percorrer os caminhos da vida com profundidade. Vivência. Alçar voo para dentro de nós mesmos ao tocar os outros. Um deslocamento de si para si que se constrói na relação com o outro e que se perpetua neste também. O tempo vai deslizando e a vida vai ganhando novos desenhos a cada passo e à isso soma-se, na minha, com a experiência da morte, o aprendizado sobre a importância de seguirmos sempre leves, atentos e com amor. Tocar as coisas e se aproximar do que é vida. Pulsante. Conhecer cada contorno do ser. Estar presente. É simples e forte. Essas urgências ganham um sentindo imenso no que nos propomos a fazer. Meu peito se preenche e esvazia a cada final de semana. Há tanto que passa por aqui. É muito sopro de vida. E tantos abismos... a gente os descontrói e reconstrói todos os dias. No meu peito tem amor e uma inquietude. Tudo que nos corrói, nos transforma. Tudo que nos toca em profundeza, modifica. Às vezes meu coração mora no horizonte. Às vezes em cada pedacinho de chão. Às vezes em um abraço. E muitas vezes encontra morada em um reflexo de luz. Do parapeito dessa janela para a vida eu observo. Hoje chove e a água é corrente propulsora. É segunda-feira e, por mais raro que possa me parecer, é leve. Respiro e no vento meu coração encontra abrigo.

A vida é.

Tatiana Plens