quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Tesouros de terça-feira de manhã



Por Fernanda Brito

Vó Senhorinha é uma senhora forte de 87 anos que já passou por muita coisa na vida. Como toda vó já passou muita coisa na vida não há nada de surpreendente nesse fato. A vó já aguentou derrames, infartes, câncer, dores, perda dos dentes, do grande amor, de irmãos, do marido, a vó parece frágil mas é forte como um touro.
Ninguém marca nada com ela e deixa de cumprir. Não é coisa de velha, nem é por ser cricri, é que quando você marca com alguém tem que estar lá.
Dá pra ver a vó envelhecer, sem grandes doçuras de contos e textos bonitos. A gente envelhece, cria rugas, dores novas, vai ficando frágil e miúdo.
Minha vó, como toda vó, é um poço de inspiração. No meu caso, apaixonada pelos tempos idos, minha vó é quase uma epifania caminhante. Verter água é ouvir ela falar as coisas mais sinceras e singelas que sua educação campesina permite. Chamar a empregada de APICÓRNA e concluir que é por causa desse fato que ela faz tudo exatamente o contrário do que minha vó pede (APICÓRNA também é conhecida como CAPRICORNIANA), me chamar de solteirona porque:"Quem casou no mesmo dia da sua mãe já é avó!" e outras pequenas coisas que constituem essa senhora que eu respeito e amo demais é um privilégio. Estão aí os tesouros. Encontrar a singeleza de uma conversa sobre o tempo com ela. Me sentir de alma afagada de vê-la no trato com suas coisas. Observar o juntamento de cacarecos que é sua casa e admirá-la por manter esse hibridismo de tempos dentro daquelas paredes, forradas de imagens de santo e de um apego no Deus. A grandeza não está no conhecimento nem nos livros. Está no meu pequeno tesouro de terça-feira de manhã. No tesouro dessa visita. Vertendo água durante uma conversa por ver materializada minha ancestralidade e toda a beleza da minha crença na memória. No tesouro de reconhecer nossa efemeridade. Todo mundo devia vezenquando encontrar sua vó, fofa, ou uma vó fofa mesmo que emprestada e entender que a gente é pequeno, efêmero, frágil, quase nada. Essa mulher forte, mãe, toda sangue e coração (mesmo sem se reconhecer sangue e coração) é uma arca de tesouros e de sabedoria.

"E a gente vai até onde Deus permitir né fia? Só por ele que a gente segue!"

(As rosas são da roseira dela naquele quintal que eu brinquei tanto quando grãozinha)