quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Historiador paralisa o tempo presente.


Cabe ao presente abrir diálogo com o passado, uma vez que o ontem não se cansa de gesticular em direção ao hoje. Cabe ao sujeito revolucionário o gesto de fazer e refazer a história, para que nossos mortos, e seus sonho, não fiquem entregues ao inimigo. Trata-se de reconhecer os momentos de tensão, de perigo e retirar deles as centelhas de esperança contidas em cada uma das situações, para que estas centelhas se libertem e iluminem o presente. A reflexão sobre o que esta acontecendo está vinculada àquela sobre o que aconteceu, e a verdade continuará sempre a nos escapar enquanto o presente, em sua ânsia de progresso, abortar o passado em busca do futuro. O presente não é mera passagem para o futuro, mas o tempo que o historiador deve paralisar para escrever a história.
O passado não pode ser encarado de forma definitiva, incontestável, é preciso desencantá-lo, deixando-o em aberta relação com o hoje, capturando, no dito, o não-dito, e , no feito, o não realizado, aquilo que foi desejado, mas reprimido; despertando os sonhos adormecidos pelo véu da história, sonhos realizados anteriormente e que foram sufucados; oxigenando-os para que venham à tona, invadam e impulsionem o presente e o futuro. "Cada época não somente sonha a seguinte a seguinte, mas ao sonhá-la a força a despertar" (Benjamim, apud Rouanet, 1990, p.91). Os sonhos coletivos de ontem não cessam de esperar respostas da atualidade; frustrados historicamente buscam incessantemente serem revitalizados, trazendo seu potencial transformador.
Flávio Desgranges (A pedagogia do espectador)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Manda-me notícias...


por Fernanda Brito

O chamado veio, num dia triste e seco.
Dia de choro cansado.
Olhei tudo em volta com mais tristeza que sempre.
Ouvi numa brisinha o riso desavergonhado, um "vem menino" de memória
Tirei força de dentro pra deixar o abraço imóvel na casa chorosa e vazia de riso, cantalorei a do passarinho, sem medo na rua.
"como eu chorei"

"Assum preto meu cantá, é tão triste como o teu.
Também robaro o meu amô, ai
Que era a luz, ai
Dos olhos meu..."

Sobre dias de luto




Preza dentro de incertezas: de manhã um céu azul,à tarde já tomando forma trocando a cor.Coração na mão ,boca, e então ele volta ao seu lugar.As batidas que há dias descompassadas agora em um ritmo mais acelerado.Já havia me esquecido o gosto da lágrima,hoje com o terceiro dia de choro coloquei a língua pra fora e senti.
De hora em hora lembro-me daquele sorriso largo,a luz bonita e rara.Não me deparo há tempos com gente assim , convivo em um mundo de sorrisos falsos,pessoas de almas escuras.Ela não,sempre cercada de sonhos, um pouco Maria subindo no pé de manga,brincando com tatu bola, menina mulher.
E agora já não me cabe pensamentos, lembranças, somente a impotência diante do movimento das pedras.Só espero; pode-se chamar de fé, os mais religiosos às vezes chamam a esperança assim.Agora é noite, não posso prever o céu.


quinta feira ,11 de agosto de 2011.


Andressa Machado.





domingo, 18 de setembro de 2011

Oração de Santo Agostinho

A morte não é nada.
Apenas passei ao outro mundo.
Eu sou eu. Tu és tu.
O que fomos um para o outro ainda o somos.
Dá-me o nome que sempre me deste.
Fala-me como sempre me falaste.
Não mudes o tom a um triste ou solene.
Continua rindo com aquilo que nos fazia rir juntos.
Reza, sorri, pensa em mim, reza comigo.
Que o meu nome se pronuncie em casa
como sempre se pronunciou.
Sem nenhuma ênfase, sem rosto de sombra.

A vida continua significando o que significou:
continua sendo o que era.
O cordão de união não se quebrou.
Porque eu estaria fora de teus pensamentos,
apenas porque estou fora de tua vista?
Não estou longe,
Somente estou do outro lado do caminho.
Já verás, tudo está bem.
Redescobrirás o meu coração,
e nele redescobrirás a ternura mais pura.
Seca tuas lágrimas e se me amas,
não chores mais.

setembro.

É tão raro eu chorar. E é por isso que hoje é um rito de passagem... da minha necessidade de isolamento e da minha falta de forças pra enfrentar o mundo. Eu estava sentada no muro como não fazia desde a minha infância, e fiquei me observando de cima, pequena, sentada com a minha vó descascando e comendo laranjas no degrau da escada. Fazia tempo que eu não lembrava disso e que essa cena não me parecia tão viva. Depois disso eu só consegui inconscientemente olhar para a horta da varanda no segundo andar. Aquela varanda só era bonita por causa da vida naquela casa. Só me era tão bonita porque alguém cuidava dela. E porque ali tudo transpirava amor. Tão verdadeiro isso... Os lugares só tem vida e ganham significado pelas pessoas que ali passaram e que os cultivaram. E quando eu observei a foto, com a pele da minha vó marcada pelos anos, com aquele lencinho bonito verde claro amarrado largo no pescoço e a laranja vermelha na mão, (eu nunca tinha visto uma laranja vermelha), foi impossível não ficar paralisada olhando por alguns minutos aquela imagem. E só pra mim ela ia significar isso. A minha alma me disse pra eu ficar um pouco tempo a mais naquele lugar. Manhã bonita, tarde bonita, só depois disso eu poderia voltar pra casa. E só com mais alguns dias para pensar, sentir e entender... esses sinais todos que a vida nos manda e que nesse meu tempo lento, eu demoro pra processar e compreender (ou eles tem o tempo deles pra gente compreender). A vida, a saudade, o tempo e a continuidade. O que a gente faz com tudo que acontece e nos surpreende. Sigamos leves e atentos, e sempre com amor. Evoé.

Tatiana Plens