quarta-feira, 27 de julho de 2011

"Manda-me notícias ou mesmo uma flor, que sejam carícias e provas de amor"**



por Fernanda Brito

"Hoje passei por entre uma selva de prédios cinza. Por prostitutas vendendo seu amor por poucos trocados. Por gente desacreditada e por gente que tinha alguma chamazinha crescente no meio do peito. Umas mais acesas outras com só uma faisquinha.
Hoje dei um passeio pelo mundo.
Senti um arrepiozinho já conhecido do lado direito, uma luzinha e um frio na barriga. Algo me chamava baixinho.
Segui pela rua já conhecida sem nem pensar em negar o chamado. A gente pode ignorar quase sempre, mas hoje me deixei levar por esse calorzinho que sufoquei em outros dias por capricho. Ou até pra prolongar a sensação.
Sei que fui descendo a rua devagar. E se digo isso não é pela poesia. É porque pensei enquanto atravessava a rua que isso deveria ser um SENHOR MOMENTO.
Decidi que desceria a rua devagar, decorando cada aspecto do caminho, que era pra manter na lembrança coisa tão miúda que é a ruazinha estreita e quase sem movimento.
Fui deixando revelar o prédio branco encardido, de formas quadradas e tão retas. Fui me deixando apreciar uma, duas, três janelas, a visão das portas verde usado. Aquele aspecto de tesouro do fundo do mar, intacto e meio esquecido. Um trambolhão velho e sujo perdido ali naquela ruazinha estreita.
Trambolhão bonito.
Entendi um pouco mais da memória, de como ela se processa. Entendi porque uma onda imensa veio e me molhou inteira de saudade. Eu entendi de saudade mais uma vez. Eu vi, ali, naqueles poucos segundos todos os dias que a gente passou por ali, meio sem perceber que já era saudade.
Reclamei baixinho da sujeira que as pombas, agora senhoras dali novamente, tinham deixado na entrada que a Mari limpava. Olhei a fechadura improvisada da porta com escada, que continua a mesma, intacta. Um arame que provavelmente era cabo do girassol imenso da Maria. Fui caminhando como se fosse um pouco dona do espaço. Tentei ver pequenas modificações, se havia algum vidro quebrado.
Nenhum NOVO vidro quebrado, só os de sempre. Olhei a janela da mulher memória e fiquei pensando que os vizinhos devem ter se assustado como eu no dia em que da esquina se ouvia um barulhão de martelo e vidro espatifando. E o Júlio pendurado na janela tirando os cacos de vidro como se fosse algo que a gente visse sempre.
Fui olhar o jardim, que era a minha parte preferida da casa, e qual não foi minha surpresa de vê-lo com aquela aparência queimada do início. Um buraco cavocado talvez por gato, talvez por gente. E desavergonhada a dama da noite tomando conta de metade do quadrado, com uma cara cansadinha, e folhas um pouco amareladas, mas lá, firme. Rodeando o verde e imponente (que julguei mal no início) ramo de espada de São Jorge. Ele por quem eu não dava nada, continua lá guardando nosso tesouro.

Pensei que deixamos nossos pedacinhos por lá. Olhei pra sala preta com saudade. Fiquei uns segundos admirando aquele casarão que parecia imenso, agora tão pequeno.
É verdade. As coisas ficam miúdas depois de um tempo.
Senti e sinto saudade. Senti e sinto aquela casa com saudade da gente.
Declarei silenciosa o amor que tenho por aquele espaço e segui meu passeio pelo mundo.
O chamado acalmou e me deixou ir também. Por hora...

(lembrei enquanto escrevia que em noites de domingo como essa, depois do espetáculo, era comum ouvir "Como eu chorei" tocando no baile da saudade do Sorocaba Clube e lembrar da Jana cantando bonito no Vesperais...)

Nem preciso dizer que saí de lá, como boa chorona, de rosto inchado."


*Foto Fabrício Vianna (Desterro no Casarão da CPFL 1ª temporada)




**O título foi tirado deste cartão postal antigo (abaixo) que fez parte do início do meu processo de Desterro lá em Agosto de 2009




Um comentário:

  1. Fefa
    essa tua emoção tomou conta de mim, por estar também, molhada por essa onda de saudade.

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