segunda-feira, 9 de maio de 2011

De tempo



Eu nunca entendi muito bem o porque, mas sempre fui apaixonada por um tempo que não vivi. Saudade da simplicidade de coisas sem telas coloridas ou comandos de voz. De quando se podia ouvir o rádio falando nas casas, não a TV. De longos vestidos bordados, e não ser de bom tom uma moça caminhar sozinha na rua. De quando criança, brincar com bonecas de pano, panelinhas de lata.
Quando o processo de Desterro se iniciou há quase dois anos atrás senti que tinha a oportunidade perfeita para mergulhar nesse tempo que foi. E de fato aproveitei da chance pra buscar por esse universo, já tão íntimo, mesmo sem a compreensão do porque. A sede e a admiração só cresceram.
Tivemos belíssimas experiências em Sorocaba na nossa temporada de estréia, e depois pelas viagens pelo PROAC. São Roque foi mágico. Pelo contato com a terra, com o lago, com o céu sardentinho de estrelas, com a casa do século XVI, que me faz muito honrada pela oportunidade. Nossa Senhora do Desterro na capela, Mário de Andrade com sua busca pelas capelinhas toscas, e o respeito por aquele lugar que já foi tão importante pro poeta e hoje abriga gente humilde e muito, muito boa, de coração enorme.
Em Itu a experiência de trabalhar em uma arquitetura diferente de uma casa nos trouxe novo vigor e ensinamentos, lidando com o onírico, com o que está nos escuros e cantinhos da gente.
Mas hoje.
Hoje em Iperó, na Fazenda Nacional de Ipanema, no segundo dia em que estamos alojados na casa que nos serve de abrigo e cenário para o nosso desterro, meu coração bate de um jeito diferente.
Enquanto eu pesquisava sonoridades e imagens do passado, meu coração batia com uma voracidade de busca e uma dor de saudade, essa saudade de tempos que não vivi. Meu coração hoje bate desse jeito. Estou transportada a esse outro tempo e me sinto completa. Me sinto assustadoramente completa. A dor de saudade marejando os olhos sempre. E descobrindo o gostinho efêmero de mesmo por um segundo silencioso me transportar pra essa época, quando observo a luz do sol refletindo o desenho do portão de madeira no chão, ou vendo o pé de manga da Dona Noemi balançando preguiçoso e derrubando folhas na rua de terra, ladeada de casinhas antigas.
Estou muito grata, transportada.
Eu queria conseguir descrever a COR dos tijolos da calçada, ou descobrir quanto tempo tem o limo que cresce sobre eles .
Queria conseguir tirar da cabeça e explicar qual é a sensação que tenho quando, sentada aqui na calçada, olho pras casas até a outra esquina.
Queria ter pra sempre esse silêncio entrecortado pelos passarinhos, ou o som do rio correndo lá embaixo.
Queria entender porque meus olhos vertem tanta água como agora.
Queria entender de sentimentos ou de tempo pra entender porque ESSE me dá tanta saudade.

por Fernanda Brito
foto por Tatiana Plens- Desterro em Iperó.

Um comentário:

  1. "Queria ter pra sempre esse silêncio entrecortado pelos passarinhos, ou o som do rio correndo lá embaixo."

    Queria ter aquela visão bonita também do final da tarde na cozinha, com uma luz tão leve e bonita vindo daquela porta de madeira com vistas para o limoeiro...

    ResponderExcluir