sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Desterro – Uma ponte para a lembrança

Lembro que era mais um dia comum de brincadeiras, lembro do céu nublado com um belo tom acinzentado que predominava. Daniele, Bruno e eu, brincamos de balançar nas palhas dos coqueiros da pracinha, como sempre era o Bruno quem conseguia voar mais alto, parecia até que iria cair, mas nunca caía. O cheiro da pracinha era gostoso, a grama era pequena e nos convidava a andar e correr descalços por toda sua extensão. O único banco dessa praça era definitivamente nosso, nossos nomes estavam lá, marcando o lugar que cada um sentava. Hoje os nomes já foram apagados, assim como os coqueiros também não estão mais por lá.
Foi no banco que Daniele e eu tivemos a idéia de limpar toda a rua, ou melhor, todo o quarteirão, deixar ele limpinho. Os pais iriam gostar, os vizinhos também, até a Dona Dolores iria gostar da nossa atitude e não furaria mais as nossas bolas que caíam constantemente em seu quintal. Contamos nossa idéia pro Bruno, que aceitou entusiasmado, mas só depois de planar em mais um de seus lindos vôos gritando “Jerônimooo!”.

Minutos depois já estávamos munidos com todo nosso armamento, uma vassoura e um saco de lixo para cada um. Lembro de como era boa a sensação de limpar tudo, quando a gente é criança não chega nem a cansar, nem se importa com o sol forte, lembro da cara de satisfação de cada um, gargalhávamos, brincávamos durante a limpeza, um espírito novo nos fazia querer ajudar o amigo o tempo todo, segurando o saco de lixo, ajudando a achar as mínimas sujeiras, tudo isso com aquele prazer e alegria que são característicos de uma doce criança no auge de seus 7, 8 anos.

Limpamos tudo, tudo mesmo, enchemos dois sacos em menos de 2 horas, estávamos comemorando e decidimos que iríamos limpar toda a cidade de Sorocaba um dia, se nossos pais nos deixassem sair das redondezas da Rua Alameda do Bosque é claro.

Eu não via a hora de ir buscar o Chantecler em casa, queria levá-lo pra passear e mostrar como o quarteirão estava limpo, ele iria adorar ainda mais sentir o cheiro da rua.
Sonhos são destruídos a todo o momento, e foi isso que aconteceu quando apareceram aqueles dois garotos mais velhos, nos provocando e humilhando por estarmos com as roupas sujas e pelo ato que tínhamos feito. Lembro agora do nó na garganta que surgiu assim que eles foram rasgando os sacos e despejando toda a sujeira no chão, rindo da nossa tristeza, era o fim do nosso sonho de limpar toda a cidade. Estáticas, as três crianças, que já não conseguiam mais segurar o choro, olhavam a sujeira toda aglomerada no chão, sem entender o porquê de tudo isso. O fim de um sonho é sempre trágico para uma criança e exige todo o sofrimento necessário. Voltamos para nossas casas, nunca falamos sobre o ocorrido.
O espetáculo Desterro é para tudo e todos, uma fonte inesgotável de emoções. Emoções que ditaram o rumo dos pensamentos das pessoas que tiveram o privilégio de apreciar essa linda peça teatral.
Pude presenciar o primeiro dia de apresentação, dia este que foi contemplado com a ilustre presença de humildes senhoras e senhores que tiveram, assim como eu, suas memórias mais preservadas resgatadas a cada gesto dos atores, a cada aroma que exalava, a cada dialogo que era sutilmente oferecido as almas emocionadas que estavam presentes.
Um sino tocava enquanto guiava as pessoas, atores e público, até uma capela repleta de uma essência única. O local acrescentava uma atordoante beleza a todo o espetáculo, o lago ao fundo passava uma tranqüilidade, e uma certeza de que, para lá daquele lago, havia o sabor da doce paz inalcançável.
As pessoas subiam os degraus contemplando um solene silêncio, iam se acomodando uma a uma nas dimensões da linda capela.
O mais encantador foi reparar naquela senhora, que segurando sua bengala, vinha mais devagar que os demais. Com dificuldade e uma paciência tranqüilizante, subiu os cinco degraus, um de cada vez, ao ritmo do sino, sentou-se.
“Carro de boi que não geme, não é bom”, isso era cantado suave e constantemente pelos atores enquanto a senhora absorvia tudo com uma expressão invejável de tão linda. Uma mão segurava a bengala, a outra tremia o tempo todo, seu olhar estava perdido nas lembranças que até então eram somente ecos vagos nos confins de sua memória rica e cansada.
A peça caminhou para seu esplêndido final. Com o menino indo em direção ao lago, indo em direção a sua paz, pura e não mais inalcançável. Os aplausos sinceros eram recebidos com uma gratidão inigualável, os olhares emocionados aplaudiam calorosamente todo o privilégio de ser desterrado.
A senhora estava lá, em pé, com os olhos cheios de lágrimas e agradecendo a todas aquelas sensações que lhe foram presenteadas. Uma mão segurando a bengala e a outra balançando suavemente um pano amarelo, a mão que segurava o pano amarelo já não tremia mais.


Por Gil Venturelli

Um comentário:

  1. Curti mto seu blog, cara!
    To ate ceguindo aki!
    Qd puder, conhese o meu tb!
    www.falonacara.com.br que vç vai rir mto tb!
    bjks e parabens!

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