terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Mas o quê um teatro sagrado poderia ser?


“O teatro é o último fórum onde o idealismo ainda é uma questão aberta.”
(Peter Brook)

Tomei o Coletivo Cê na sexta (04) com destino ao Sítio Santo Antonio e por algum motivo ainda não consegui sair de lá. Na tentativa de explicar o motivo, posso divagar sobre alguns...

Vi um teatro de cores e movimentos, de tecidos finos, de sombras, de palavras poéticas, de silêncios e sussurros, de vôos, de fantasias, de brilhante leveza e de todas as formas de mistérios e surpresas.

Toda essa descrição está apoiada em Peter Brook, falando das glórias do teatro do final da década de 40, “de uma Europa ferida que parecia ter um objetivo comum: recuperar a memória de uma graça perdida.”

Vale a pena destacar trechos do livro do diretor inglês, “O teatro e seu espaço” para traçar paralelos com o trabalho do Coletivo Cê:

“Do incêndio da Ópera de Hamburgo só restou o palco. Mas a platéia se reuniu lá e, num tablado, tendo como fundo o cenário precário, apoiado sobre uma parede nua, alguns cantores se movimentavam, subindo e descendo para interpretar “O Barbeiro de Sevilha”; isto porque, nada podia impedi-los de agir assim.Cinquenta pessoas se amontoavam num sótão muito pequeno, enquanto que nos poucos centímetros que restavam, um punhado de ótimos atores, resolutamente, continuava a praticar sua arte.”

Longe de mim qualquer tipo de comparação com a horrível situação histórica, mas sim, com o teatro sagrado, definido por Brook como o teatro do invisível tornado visível, e na minha visão “Desterro” traz em seu bojo a ressacralização do teatro.

Um teatro servido por um cortejo de atores e diretor devotos, criado a partir de suas próprias vísceras e promovendo uma sucessão de violentas imagens cênicas, que explodem matéria humana.

Brook fala também de termos perdido todo o significado de ritual e cerimônia, mas que as palavras permanecem conosco e que velhos impulsos continuam a agitar-se em nós.

Fomos testemunhas da coragem dos atores na exposição de suas reservas emocionais, do pensamento claro na dramaturgia de Janaina Silva e de toda uma idéia invisível corretamente mostrada por Júlio Mello, que proporcionaram ao público uma experiência que alimentou, acendeu espíritos.

A questão básica: por que afinal o teatro? O Coletivo aponta uma resposta: por objetivos nobres e ser nobre só significa ser decente.

É certo que aqui em São Roque, uma cidade com mais de 350 anos, nós, artistas da região, nos ressentimos de não termos um edifício teatral daqueles de arquitetura austera, cornucópias, cortinas vermelhas e de certa feiúra na decoração, justamente para depois explodir tal espaço e ocupar as ruas, as praças, o Sítio Santo Antonio.

Não podemos fazê-lo ainda, porque temos medo do sol e da chuva atrapalhar nossos ensaios. Há também a possibilidade de sermos “meninos lesmas”, mas há algo mais a refletir...

“No teatro, há séculos a tendência tem sido de colocar o ator numa distância remota, numa plataforma, emoldurado, decorado, iluminado, pintado, com sapatos altos – para convencer o ignorante de que ele é sagrado, de que sua arte é sacra. Era veneração, ou haveria por trás disto o medo de que algo seria exposto se a luz fosse forte demais ou a distância próxima demais? Hoje já expusemos a trapaça. Mas estamos redescobrindo que um teatro sagrado é ainda aquilo que precisamos. Onde curá-lo? Nas nuvens ou na terra?”

Meus agradecimentos a Peter Brook, por me emprestar algumas ideias e palavras para traduzir aquilo que eu estava sentindo, e ao Coletivo Cê, pelo qual estou esperando para me ajudar a voltar para a casa.

Minha mala está pronta...

Lisa Camargo
CiadeEros
Verão, 2011

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