sábado, 6 de março de 2010

Desterro 28/02/10

Doçura para mostrar o desterro que nos assola.
Para nós e todos os meninos que ficaram.
28 de Fevereiro de 2010.

O trabalho “Desterro” que o Coletivo Cê apresenta no Casarão da CPFL trouxe essencialmente doçura ao vasculhar nossas lembranças em busca de preciosidades. E as encontra. O encontro nos faz rememorar nossas famílias, história e lugares num estranho embebedar-se nostálgico.
Me parece um bom exercício se pensamos que a memória focaliza coisas específicas, requer grande quantidade de energia mental e deteriora-se com a idade. O exercício que o coletivo nos propõe serve primeiro para lembrar. Talvez para mantermo-nos funcionando, lembrando.
O elenco talentoso tem na interpretação de Hércules Soares um crescente emocionante, fresco, nada clichê e que realça ainda mais traços de menino que irá alçar vôo como um grande ator. Somos tomados por surpresas femininas a cada instante, meninas mulheres que se misturam e procuram em corpos tão jovens essências profundamente marcantes e cheias do tempo. Os cantos promovem o retorno de infâncias repletas de cantigas e cânticos capazes de encher o vazio com mais vazio e assim permitir que nos emocionemos num sobressalto.
Eliane Ribeiro tem a responsabilidade quase sui generis de corporificar a própria memória e o faz com um corpo que se movimenta com complexidade e maturidade. Andressa Machado deixa o corpo pueril em casa e empresta-se para uma interpretação ousada. Possivelmente o ápice fica por conta de Fernanda Brito que ferve nossas sensações num assombro tocando, movendo-se e cantando de forma agressiva e eficiente. Quando juntam-se Mariana Alves e Giuliana Abona às lindas vozes, espalha-se por cômodos, corredores e pátios uma arquitetura sonora que nos oferece profundidade e distanciamento. Ora num pátio com vento, céu e estrelas ora num porão apertado e borbulhando de energia deste elenco tão jovem e corajoso.
O Casarão da CPFL construído em 1915 carrega em cada ambiente força suficiente herdado do tempo para compor com sua arquitetura o manuscrito exato que o espetáculo necessita para dar luz ao turbilhão de memórias que se apresenta. A gente se pergunta o tempo todo o que aconteceu ali, quais pessoas e objetos ocuparam aqueles cômodos?
A Empresa CPFL acerta no apoio oferecendo o espaço que é revitalizado a todo instante com arte de qualidade e bom gosto, tomara o apoio se estenda e extrapole a cessão gentil de espaço e tome um caminho freqüente de apoio institucional e financeiro para artistas da cidade.
Todo o trabalho tem sua essência evidenciada com o magistral textode Janaína Silva e a direção de Julio Mello que como o elenco, jovem, demonstra competência no manuseio de gente, espaço e ideias para a construção de algo delicado e consistente.
A experiência de cada noite vista somente por 25 pessoas que escolhem quanto querem pagar é realmente uma sofisticação no relacionamento do público, espaço alternativo e obra de arte. Um salto em qualidade na estrutura de projetos aprovados pela LINC Sorocaba.
Projeto que merece ser observado, degustado e apoiado. Parabéns Coletivo Cê pela ousadia em ser bom e presentear-nos com algo emoldurado em doçura.


Marcelo Proença
Artista do Corpo.

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