quarta-feira, 24 de março de 2010

"DESTERRO" Casarão da CPFL vira palco e quintal de espetáculo teatral.



Por FERNANDA MOLLER, pesquisadora com iniciação científica apoiada pelo CNPq com o titulo "Reflexões acerca do papel do espaço cênico na construção das relações espetaculares pós dramáticas"

"Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas.”
(texto de Manoel de Barros utilizado na dramaturgia do espetáculo “Desterro”)

Ao abrir as portas do espaço de ensaio e de construção cênica do espetáculo “Desterro”, o Coletivo Cê nos deixa ver um belíssimo Casarão, talvez não muito conhecido por todos os espectadores, situado na parte central de Sorocaba.
O Casarão antigo da CPFL praticamente não foi alterado pelo grupo, poucos são os acessórios cênicos que ressignificam o espaço. Contudo, ali, no encontro com outros espectadores, no perfume do café que traz lembranças das tardes com broa de fubá, nas brincadeiras de criança, nas cantigas populares que deixam saudade e na lua gigante que aponta no céu transformando o cenário cotidiano em cenário espetacular, podemos perceber juntos um espaço que não é mais da cidade e nem do grupo, é nosso, ganhamos assim nosso quintal.
A partir daí, a história do menino/homem interpretado por Hércules Soares se confunde também com nossas memórias (a memória, aliás, se personifica no espetáculo, interpretada de maneira doce e instigante pela atriz Eliane Ribeiro). Somos conduzidos, sempre pelo menino, por vários cômodos do Casarão e em cada um deles conseguimos perceber um fragmento da história do protagonista.
Num jogo de intimidade e estranhamento, o grupo brinca com imagens, olhares, iluminação e sabores. Através deste jogo, identificamo-nos ora como a mãe, fincada na terra, igual árvore, vendo o filho partir, e ora como passarinho que não consegue mais ficar dentro da gaiola, precisa voar.
Com leveza e astúcia, Janaina Silva parece flutuar através de suas palavras, compondo a dramaturgia do espetáculo. O texto é nitidamente fruto de grande pesquisa e sensibilidade, o que parece ser mérito não apenas da dramaturga como de todo elenco (a julgar pelo livro de registros do grupo).
Entre tantos acertos do Coletivo Cê, é necessário comentar a atuação de Fernanda Brito, presenteando os espectadores com uma performance corporal e vocal precisa e encantadora, a jovem atriz atrai todas as atenções ao teu canto, deixando em evidência também o trabalho habilidoso e talentoso de Júlio Mello (diretor do espetáculo) e de Melany Kern (preparadora corporal).
Por tudo isso, o nosso quintal, aquele que foi construído pelos atuantes do grupo, mas que é, durante a representação, compartilhado com os espectadores, se torna maior do que a cidade que o rodeia, se torna maior que os quintais que tentam reproduzir tão inutilmente esta cidade. É maior porque tem intimidade, e como adultos, que um dia tiveram que abandonar seu lugar de origem levando consigo as lembranças eternas, sabemos que é “pela intimidade que se mede o tamanho das coisas”.
“Desterro” é um espetáculo que deve ser prestigiado por aqueles que acham que a arte deve ter alguma função maior do que apenas divertir, por aqueles que têm lembranças e passado, e por aqueles que desejam assistir a algo realizado com muito bom gosto.

Serviço:"Desterro", de 20/02 a 11/04
Sábados às 20h e Domingos às 19h
Ingressos: Pague Quanto Puder
Local: Casarão da CPFL (Rua Dr. Ubaldino do Amaral, 202, Centro, Sorocaba-SP)
Info: (15) 88149882 e (15) 91121644

*foto por Tatina Plens

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